Conheça o que está por trás e os riscos de escanear a íris por dinheiro
GERAL
Publicado em 21/01/2025

 

É por uma portinha na região da Avenida Paulista, em São Paulo, que as pessoas vão chegando uma a uma, com celulares em mãos. Elas baixaram um aplicativo em casa, agendaram horário e estão esperando a vez de ter a íris escaneada em troca de criptomoedas. Na fila, a maioria das pessoas não sabe dizer para que serve isso. A maioria está ali por causa do dinheiro.

Uma delas é o motoboy Bruno Barbosa Souza, 25. “Foi um colega meu que indicou. Me disse que eles davam dinheiro, em torno de R$ 400 para ler a retina do olho, alguma coisa assim. Não sei para o que eles estão fazendo isso”, disse.

Souza informou que o processo é simples. Basta entrar no aplicativo, colocar seus dados pessoais e fazer o agendamento. “Um amigo me falou que paga em bitcoin, algo assim. Estou precisando do dinheiro. Você faz hoje e o dinheiro já está caindo amanhã. Ele recebeu em torno de R$ 450.”

O atendente Wallace Weslley, 31, também foi motivado pelo dinheiro. Ele participou do processo há algumas semanas e hoje esteve no mesmo endereço na Rua Carlos Sampaio para levar a esposa. “Ela se cadastrou nesse negócio da World. Vi que, através da íris, eles conseguem se aprofundar em tudo, eles conseguem informações que a gente nem sabia que tinha. Eu já fiz também. Eu fiz faz uns 15 dias e recebi em torno de R$ 200. Em 24 horas, o dinheiro fica disponível. Você coloca o olho em uma máquina e tira também uma selfie com o seu celular. Eles me falaram que estão fazendo isso para ter uma segurança referente aos nossos dados.”

“Eu vi uma reportagem falando que não é só isso, e que através da íris dos olhos eles podem estar coletando informações que ninguém mais tem, a não ser eles. Tenho receio disso, muito receio. Vi muita gente fazendo isso, mas dá um pouco de receio. Mas tá todo mundo apertado [de dinheiro]”, relatou.

Riscos

“Não sabemos ainda como essas informações serão utilizadas quando associadas em conjunto com algoritmos avançados, além da inteligência artificial (IA), podendo ser aberta uma porta para abusos, crimes e irregularidades”, alerta Karen Borges, gerente Adjunta da Assessoria Jurídica do Núcleo de Informação e Coordenação do Ponto BR (NIC.br).

Após ter a imagem da sua íris coletada, a empresa paga cerca de 48 worldcoins [tokens de gestão da rede], uma espécie de criptomoeda da própria empresa, que pode ser convertida em criptomoedas ou em reais e depois sacada. Por se tratar de uma criptomoeda, o valor da worldcoin varia com frequência. Segundo o site Coinbase a moeda estava avaliada em R$ 13,22, às 18h do dia 16 de janeiro.

Tudo isso parece razoavelmente simples, mas especialistas alertam que o escaneamento de íris pode representar riscos à segurança e à privacidade dos dados.

“Estamos falando de um dado biométrico único em termos de dado pessoal, é um dado que é capaz de te identificar e te autenticar desde o início da sua vida até o final dela. Então existe uma sensibilidade muito grande em ceder esse tipo de dado para uma iniciativa como essa. Não só como essa, mas como outras que possam surgir no mesmo formato da WorldID. Então, o que eu diria é o seguinte, as pessoas devem refletir sobre o tipo de dado que está sendo coletado e para o que estão consentindo no fornecimento desses dados”, avisou Paschoalini.

Pela Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD), a íris é considerada um dado biométrico ou um dado pessoal sensível. E, por isso, para trabalhar com esses dados, é necessário consentimento, como a empresa tem feito por meio do aplicativo. No entanto, esclareceu Paschoalini, esse consentimento precisa ser qualificado.

“Estamos falando de consentimento qualificado, definido pela LGPD como uma manifestação livre, inequívoca e informada. O que tem um ponto de preocupação é o fato de haver compensação financeira. Ainda que a empresa afirme que não é um pagamento pelo consentimento, o que temos visto é que existe uma associação imediata entre o recebimento dos valores financeiros e autorização para o escaneamento da íris. Ou seja, a impressão que passa é a de que o sujeito não está indo lá coletar a sua íris pela finalidade de se autenticar online, mas sim interessado em receber aqueles valores prometidos e oferecidos. ERstamos falando de pessoas potencialmente mais pobres aderindo a essa prática.”

“Não há dúvidas de que a coleta de dados por dinheiro é uma prática duvidosa, podendo ser caracterizada como exploração de populações vulneráveis. O dinheiro acaba sendo um atrativo no primeiro momento, fazendo com as pessoas desconsiderem os riscos por trás da iniciativa, a exemplo do risco de vazamento de marcadores exclusivos de identificação. Por isso, é fundamental que as autoridades investiguem esse tipo de iniciativa, garantindo que o direito à privacidade e proteção aos dados dos titulares sejam respeitados”, ressaltou Karen Borges.

 

Fonte: Site da CNN Brasil

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