No recurso, que será julgado pelo Tribunal Regional Federal da 6º Região (TRF6), o MPF questiona, principalmente, o argumento de que as provas apresentadas não permitiriam a identificação das condutas específicas de cada acusado que levaram ao rompimento da barragem. Questiona também como a sentença percorre pelos requisitos da tipicidade objetiva e subjetiva, especialmente na avaliação do nexo de causalidade, concluindo que, embora todos os réus fossem garantidores de vigilância da estrutura, não seria possível que lhes fossem atribuídos os resultados delitivos.
Conforme argumenta o procurador da República Eduardo Henrique de Almeida Aguiar, responsável pelo recurso, os crimes ambientais não ocorrem pela conduta de uma pessoa isolada, mas, em regra, pela atuação de uma grande empresa, com complexa estrutura organizacional, nas quais várias pessoas colaboram – algumas com poder decisório, outras meramente executando ordens, buscando desenvolver a atividade-fim da pessoa jurídica. O procurador aponta que as falhas individuais nas competências de determinadas pessoas são responsáveis pelo resultado e suficientes à demonstração da causalidade pelo aumento do risco.
Para o procurador, diferente do que entendeu o juízo de primeira instância, o MPF teve êxito em comprovar que todos os réus, na posição de garantidores, omitiram-se e que as suas omissões incrementaram o risco da operação da barragem, levando aos resultados lesivos ao meio ambiente e às populações.
Além disso, o MPF lista pontos que demonstram a omissão dos acusados ao longo dos anos, como a não realização dos estudos de suscetibilidade à liquefação, o aparecimento de trincas, a construção de berma de equilíbrio subdimensionada e a não retificação do eixo de um dos diques da barragem, recomendados por um grupo de especialistas que avalia tecnicamente e de forma independente as estruturas de armazenamento de rejeitos e das barragens.
O MPF pede a reforma da sentença e a condenação dos réus por diversos crimes ambientais e outros relacionados à gestão de risco. Os crimes incluem poluição ambiental, destruição de fauna e flora, e causar dano à saúde humana ou ao meio ambiente, com agravantes devido à negligência e omissões que levaram ao rompimento. O Hoje em Dia entrou em contato com as empresas citadas. Essa reportagem será atualizada em caso de retornos.
A Justiça Federal absolveu todos os réus que respondiam no processo criminal. A decisão, de primeira instância, foi publicada em 14 de novembro.
O processo criminal começou a tramitar em 2016 com a denúncia do Ministério Público Federal (MPF). Para 21 pessoas ligadas à Samarco e às suas duas acionistas Vale e BHP Billiton, foram atribuídos o crime de homicídio qualificado e diversos crimes ambientais.
Um 22º réu respondia por emissão de laudo enganoso. Trata-se do engenheiro da empresa VogBr que assinou documento garantindo a estabilidade da barragem que se rompeu. A Samarco, a Vale, a BHP Billinton e a VogBR também eram julgadas no processo e podiam ser penalizadas pelos crimes ambientais.
No entanto, em 2019, uma decisão da Justiça Federal já havia beneficiado os réus. Foi determinado o trancamento da ação penal para o crime de homicídio. Prevaleceu a tese de que os indícios incluídos na denúncia apontavam as mortes como consequências do crime de inundação. Dessa forma, o processo continuou a tramitar envolvendo apenas os crimes ambientais. Mas, ao longo do tempo, foram concedidos habeas corpus a alguns acusados. Além disso, com a tramitação lenta da ação penal, alguns crimes ambientais prescreveram.
Com a nova decisão, ficam absolvidos todos os sete que ainda figuravam no processo, incluindo o ex-presidente da Samarco, Ricardo Vescovi. A sentença também absolve as três mineradoras e a VogBr.
O rompimento da barragem, ocorreu em 5 de novembro de 2015. Na ocasião, cerca de 39 milhões de metros cúbicos de rejeitos escoaram pela Bacia do Rio Doce. Dezenove pessoas morreram e uma mulher que estava grávida, resgatada com vida, sofreu um aborto. Houve impactos às populações de dezenas de municípios até a foz no Espírito Santo.
Fonte: Site do Jornal Hoje em Dia