Segundo a pesquisa, foram identificados cerca de 110 mil nascidos vivos desse grupo. A maior prevalência era de meninas pretas e pardas (73,6%), moradoras das regiões Norte e Nordeste (60,6%), mais de um quinto informou estar em união estável ou casadas (20,7%) e em 5% os nascidos vivos não foram a primeira gestação.
“Os dados sobre violência mostram um cenário alarmante de violação de direitos de meninas e mulheres, pois além de serem as maiores vítimas da violência sexual, elas ainda enfrentam o risco de uma gravidez indesejada e doenças sexualmente transmissíveis”, ressaltou a professora Deborah Carvalho Malta, professora da Escola de Enfermagem da UFMG que coordenou o estudo que utilizou dados do Sistema de Informação sobre Nascidos Vivos (SINASC).
Para ela, a gravidez em meninas de 10 a 14 anos tem despertado grande preocupação no campo da saúde pública, devido aos riscos à gestante, como maior mortalidade materna, bem como aos filhos, os quais têm maior chance de prematuridade, baixo peso ao nascer e maior mortalidade perinatal.
No Brasil, desde 2009, a Lei 12015/2009, considera a relação sexual com menores de 14 anos é considerada estupro de vulnerável independentemente da idade do parceiro ou do relacionamento estabelecido entre eles. “Até 2019, casamentos com menores de 16 anos poderiam ser autorizados pelos responsáveis mediante ordem judicial especial em caso de gravidez ou para evitar a imposição de pena criminal, o que revelava as contradições do Estado ao lidar com a presunção de violência contra meninas e adolescentes. Se por um lado, desde 2009 a atividade sexual com meninas menores de 14 anos é considerada estupro de vulnerável, por outro lado o Estado era conivente com a gravidez, absolvendo possíveis casos de estupro pela via do casamento”, reforçou a pesquisadora.
Os dados coletados pela pesquisa revelam o início tardio do cuidado pré-natal nas meninas de 10 a 14 anos , um indicador importante relacionado ao acesso aos serviços de saúde, bem como à ciência sobre a gravidez, entre quatro a seis meses (16 a 24 semanas de gestação) foram que 32,1% e, 4,7% acima de 7 meses (28 semanas de gestão).
Segundo a professora, este fato pode estar intimamente relacionado a situações de violência sexual, já que na maior parte dos casos o perpetrador é geralmente alguém próximo, como pais, padrastos, irmãos mais velhos ou tios, os quais dificultam o acesso das meninas aos serviços de saúde na tentativa de adiar a revelação do abuso sexual. Essa situação pode provocar a busca pela interrupção legal da gravidez em idade gestacional mais avançada, seja pela percepção mais tardia da gestão ou pelo menor suporte social ou familiar nos casos de violência doméstica.
No Brasil, a interrupção legal da gravidez é permitida nos casos de gravidez decorrente de estupro, sendo que o Código Penal de 1940, não traz qualquer limitação à idade gestacional ou ao peso do feto, no entanto, dados do Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde de 2019, identificaram que apenas 290 estabelecimentos ofertavam o serviço de aborto legal, distribuídos em apenas 3,6% dos municípios ,sendo que, cerca de 1/3 destes serviços não realizaram nenhum procedimento no ano.
A professora explica que a baixa ação dos serviços prestados por clínicas legalizadas se deve à além da barreira geográfica outras inúmeras barreiras de acesso aos serviços de aborto legal previsto em lei, como o desconhecimento do serviços e da legislação, o medo da criminalização, a vergonha pelo estigma do procedimento, as barreiras organizacionais, como a exigência de Boletim de Ocorrência, laudo do Instituto Médico-Legal (IML) ou alvará judicial, recusa dos profissionais de saúde em realizar o procedimento, e negativas por suspeição à palavra de quem busca por cuidado.
Deborah Malta conclui que esses achados revelam uma sequência de vulnerabilidades sofridas por essas meninas, seja pela gravidez em idade precoce, com implicações de morbimortalidade altas para ela e seus filhos ou pela violência presumida nesses casos. “Políticas públicas de saúde e educação devem promover o acesso a informações, insumos e cuidado integral para a garantia de direitos e prevenção de violência contra meninas e mulheres, bem como acesso ao aborto legal nos casos cabíveis”.
Fonte: Jornal Hoje em Dia